UM NOVO AMANHECER EM SHE-OL
1.
Kol Dur já estava havia dois dias naquela gruta, em uma das
Montanhas Cambiantes. A nave da Polícia Unificada de She-ol já havia desistido
de procurá-lo. Para a sua sorte, a tecnologia no planeta She-ol avançava a
passos largos, mas os cérebros dos policiais não acompanhava tal avanço. Havia
boatos de que uma tropa de andróides estava preparada para entrar em ação.
Seria uma demissão em massa. Segundo os governos nacionais, nenhum policial
ficaria desempregado. Sentia fome, sentia medo, sentia raiva e sentia saudade
de Shunya, e de ser enlaçado por seus seis braços fortes de guerrilheira
habituada ao coice do Cajado Solar, desenvolvido por ela mesma. O povo não
suportava mais a opressão. Por muito tempo Kol desconfiou da luta armada, da
insurgência, mas Jok Beq, uma anciã, guia mais respeitada pelo movimento
insurgente lhe explicara que aquilo não seria uma carnificina. O povo estava
preparado para se auto-defender, mas o povo faria uma revolução criativa, não
apenas destrutiva, precisavam criar um mundo novo no planeta lilás! Jok
conseguria incendiar o coração de um defunto, ou de um batalhão deles. A
montanha parou. Nenhum cientista jamais conseguiu descobrir o segredo das
Cambiantes. Os antigos a chamavam de
Minas Tao, ou e diziam que o que as moviam era uma energia cósmica
chamada Di. O Di operava de acordo princípios chamados Wing-Wong. Kol não sabia
nada daquilo até conversar com Jok, e ser inserido no grupo de estudos e
práticas tradicionais capitaneado por ela. Jok sempre dissera que conseguia
comandar as Cambiantes com as mesmas técnicas de manipulação do Di Interior
praticada no grupo. Kol não acreditava muito, era um Sheoliano muito cabeça
dura.
2.
Numa sala redonda, Jok meditava junto com outros
praticantes. Tentavam conectar-se com Kol Dur através do Di. O silêncio era
absoluto, e nem suas respirações profundas eram ouvidas. Jello, um Sheoliano de
14 anos sentiu um formigamento percorrer-lhe todo o corpo, o “batalhão de
formigas” fez uma algazarra pela sua barriga, subiu pelas costas, e como que
saiu pelo ombro esquerdo. Nesse momento Killa Fink, que estava do seu lado
esquerdo sentiu formigas voadoras aterrissarem no seu ombro direito e começarem
a percorrer toda a extensão do seu corpo, só que sob a pele. As formiguinhas
subcutâneas pintaram e bordaram até se concentrarem todas na testa de Killa,
entre suas sobrancelhas azuis. Uma luz azulada surgiu à sua frente, e ela
sentiu uma tentação forte de abrir os olhos, mas algo a fez resistir (Jok!). A
luz se expandiu numa esfera plana, e não tardou a Killa ver, como numa tela, o
bravo Kol Dur, que fora rastreado pela Polícia Unificada, dentro de uma gruta,
olhando para o lado de fora. Eram as cambiantes! Killa abriu os olhos de
chofre, e isso a fez sentir uma vertigem fortíssima. Ainda vendo tudo girar ao
seu redor, falou em voz alta.
- Kol Dur está numa gruta, nas Montanhas Cambiantes!
Todos abriram os olhos. Killa assustou-se, pois Jok estava
atrás dela, de pé. E foi Jok que a ajudou a levantar-se, e lhe deu aqueles toques
milagrosos, que a curaram imediatamente da vertigem.
- Aprontem-se, a hora chegou, o sinal final foi dado pelo Di
Cósmico. Vamos todos às Minas Tao. E queimem todo este lugar, há naves da
Polícia vindo para cá.
Todos se levantaram, e principiaram sem perda de tempo a
seguir as orientações de Jok Beq.
3.
Aqui se encerra esta versão romanceada dos fatos que
encontrei num diário, nas ruínas de um prédio. Pena que o autor não pode
descrever com tanta poesia a sublevação dos insurgentes, insurgentes que na
verdade eram todo o povo. Pena que a sua caneta antiquada não descreveu a
expressão estupefata dos donos do poder ao verem a armada de montanhas cercando
as cidades, e milhares de insurgentes brotando delas, e ocupando os prédios de
onde emanava o draconiano poder de She-ol. Mas o que mais aperta meu coração é
o fato de o autor dessas palavras não estar aqui. Não sei se ele está vivo,
espero que esteja. Sigur, assim ele assinou. Espero que nos encontremos, espero
que ele esteja em algum ponto de She-ol, construindo as novas teias de poder
compartilhado que estamos tecendo, poder radicalmente descentralizado e
maleável. Um novo poder em She-ol. Tenho a impressão de que não só a nossa
política é nova, mas que tudo ao meu redor se renova a cada olhar, é como se
nada fosse mais enferrujar, apodrecer, envelhecer. As coisas irão fenecer, mas
os nossos olhares serão olhares vivificantes de agora em diante. E os outros
planetas do Cinturão de Garuda seguem o mesmo caminho. Sigur, onde quer que
você esteja, espero que esteja contemplando esse belo amanhecer. Um novo
amanhecer.
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